segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

O filho da filha

 


Quando ela estava grávida, escrevi aqui que eu estava vivenciando a Matrioska: um bebê sendo gerado no corpo de quem foi gerado por mim.

Quando ele nasceu, esse conceito transbordou, e confesso que nunca imaginaria que o filho da filha assumisse um posto tão, mas tão especial na minha vida. Tenho um netinho e uma netinha amados, filhos dos meus enteados, por quem já me derreto toda. Mas há uma diferença, uma coisa primordial que faz com que eu me aproxime mais, conviva mais e reconheça que ele é parte de mim, mesmo que fisicamente a gente não tenha absolutamente nada em comum.

Essa sensação, essa alegria me veio como um presente, o melhor e maior presente que eu jamais imaginaria receber. ninguém me contou que seria assim!

Por isso eu conto aqui, seguindo o exemplo dessa nova geração com quem aprendo tanto a cada dia. Hoje se fala da maternidade como ela é, sem floreios nem segredos; fala-se de tudo aquilo que eu calava no meu tempo (há 30 anos) por entender que só me cabia mesmo calar. E foram tantas as dificuldades, os medos, os obstáculos e inseguranças que precisei enfrentar quieta e conformada que meio que vibro (e sofro ao lembrar) quando uma jovem mãe se coloca, revela suas dores, admite seu direito de expor aquilo que sente.

Outro dia também fiz aqui um post sobre o assombro de me tocar que cada pessoa viva foi um bebê (ainda hei de fazer um desenho sobre isso...)! E saíram de mães que passaram por tudo isso que quem é mãe compreende perfeitamente o que é. Eu concluía o texto admirada com a capacidade das mulheres.

A capacidade de admitir suas incapacidades é uma qualidade dessa nova geração. Eu a reverencio, embora reconheça o quão desestruturante e perturbadora ela é.

Ontem mesmo uma querida amiga classificou a maternidade como um OXÍMORO, que é uma figura de linguagem constituída "por palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente mas que, no contexto, reforçam a expressão". 

E me vêm os versos de Djavan que no iníciozinho da vida do meu bebê traduziam direitinho como eu me sentia:

Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar?

Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar?


Às mulheres mães, toda a minha admiração.

Mame bem



Em novembro tive a alegria de participar de versão presencial do Congresso Brasileiro Mame Bem, em Belo Horizonte. Eu já conhecia "de vista" a Dra. Tatiana Vargas, pessoas integrantes de sua equipe no Instituto Mame Bem e algumas palestrantes por ter sido convidada para a edição virtual do evento, durante a pandemia. Devo dizer que essa de agora foi uma experiência ímpar, por muitos motivos.

Primeiramente porque não viajava desde 2020 e minha atuação como professora tem se dado de maneira quase que exclusivamente remota. Todos os procedimentos de arrumação de mala, etapas a serem cumpridas no aeroporto, no vôo e no hotel demonstravam que eu havia perdido o traquejo com isso que sempre fiz com "o pé nas costas". E, de uma hora pra outra, subir num palco diante de uma platéia, num auditório imenso e quase lotado foi desafiador! Mas uma naturalidade "baixou" em mim e dei conta do recado, aliás como grande parte daquelas mulheres que se apresentaram ali, eu imagino. Porque foram excelentes todas as falas a que tive a chance de assistir.

A abordagem dos problemas da mamadeira sob o ponto de vista do Design - tema do meu livro Amamentação e o desdesign da mamadeira - costuma surpreender os profissionais das áreas da Saúde. Se por uma lado me encanta essa repercussão, por outro me preocupa tanta surpresa - sinal de que parece ser muito rara essa aproximação crítica do Design a outros campos em ocasiões semelhantes (Design em eventos de Direito, Arquitetura, Engenharia, Relações Internacionais, Sociologia etc.).

Mas para me concentrar no pontos mais alto do evento - além da primorosa organização e da recepção afetuosa e impecável da equipe Mame Bem, eu destaco a amplidão de cobertura do tema e a qualidade de tudo o que lá foi apresentado e defendido. Gente, não houve NADA que não tenha sido tratado pelos trabalhos. Eu não havia visto algo assim. Os assuntos que cercam o tema contemplados em sua vastidão e em suas especificidades, a amamentação no mundo atual, na vida real. E por pessoas estudiosas, apaixonadas e comprometidas.

Quanta vivência e aprendizado! 






domingo, 2 de outubro de 2022

Cada pessoa que existe nesse mundo NASCEU.


Pode parecer uma afirmação óbvia, mas cada pessoa que existe nesse mundo NASCEU. De uma mulher. Que pariu, alimentou, cuidou da criança. Que mal dormiu, se dedicou, se desdobrou, quase endoideceu pra que aquele ser frágil e dependente viesse a se tornar uma das pessoas que existem na face da Terra.

A gente não se lembra disso, mas devia. Na nossa percepção, frequente ou permanentemente a gente suprime a realidade, apaga a história, foca apenas naquilo que se pode enxergar. A gente nunca ou só excepcionalmente se lembra do incrível sistema que permite que o dia amanheça. Por quê o dia amanhece?

Venho pensando nisso por acompanhar muito de perto o desenvolvimento de uma criança. E estou infinitamente mais atenta aos detalhes desse processo do que quando atuei como mãe.

É impressionante, indescritível o nível de entrega necessário para proporcionar que uma criança cresça, progrida, viva e se torne uma pessoa como cada uma daquelas que existe. E isso se apaga. Ao se apagar, é desvalorizado, anulado.

O que é uma mulher? Céus, o que é uma mulher ...

sábado, 27 de agosto de 2022

Depoimento sobre minha experiência recente como avó

Esse é um bom momento pra contar aqui a experiência que tive nos últimos meses.

Minha filha teve um adorável bebê no mês de abril. Criança saudável, parto normal, mas ela passou por revezes pra lá de delicados. Em resumo, desistiu de amamentar, tentou secar o peito e aderiu à fórmula e à mamadeira.

E eu a apoiei. Era a única coisa a fazer diante dos seus motivos.

Pra me aliviar um pouco daquela dor silenciada, recorri à Val - Celina Valderez (ela é uma das primeiras pessoas do campo da defesa da amamentação que conheci nos tempos do meu doutorado sobre os malefícios da mamadeira, e durante a pandemia frequentei um curso que ela oferece direcionado às avós). Fizemos uma chamada de vídeo, contei tudo o que se passava pra ela e recebi de volta compreensão, carinho, acolhimento e a certeza de que eu teria que enfrentar com amor e coragem o que viesse pela frente.

Mas com o decorrer dos meses, a situação foi se transformando, e eu atualizava Val sobre os acontecimentos.

Desde então, muitas mudanças aconteceram.

No vídeo a seguir dá pra acompanhar essa história a partir dos 55:35 minutos.

Antes disso, uma aula da Val. Muito a aprender com ela.



quinta-feira, 14 de julho de 2022

Fraldas: vamos pensar com carinho nesse assunto?

O filme de animação a seguir foi desenvolvido na disciplina de Projeto 5 do curso de Design da PUC-Rio há alguns anos atrás, a partir de uma proposta formulada por mim. Ao contar aos alunos sobre o imenso impacto que a prática de uso intensivo desses produtos causa ao meio ambiente, eles se alarmaram (aliás como acontece com qualquer pessoa que seja convidada a visualizar a quantidade de lixo que elas produzem). Eu me lembro que fui para o quadro fazer, junto à turma, a conta de quanto cada um deles produziu de lixo durante sua tenra infância e chegamos juntos a uma soma imensa! Então multipliquei aquele valor pelo número de alunos presentes e o resultado foi muito assustador. Daí fiz uma cena, dizendo: _Agora vou abrir a porta da sala e tudo isso será descarregado aqui pelos caminhões que contratei!

Foi um momento sensacional que resultou no roteiro e realização desse filme:


Pois é, mas "a velha e boa fralda de pano" realmente não era tão boa assim, embora TODAS as crianças nascidas até a invenção da descartável tivessem feito uso delas. É importante a gente reconhecer que a fralda descartável trouxe muita praticidade, foi realmente inovadora em muitos termos, deixando a de pano a anos luz de distância.

Só que o bacana, bacanérrimo aliás, é que essas inovações puderam ser aplicadas na fralda de pano, tornando-a -aí sim- eficiente, linda, durável, econômica, ecológica, em um projeto aberto (Creative Commons) que permite que várias empresas e iniciativas o desenvolvam e comercializem de sua própria forma, sem pagar pela licença de uso.

Faz muito tempo que eu descobri que a Morada da Floresta estava produzindo fraldas, e agora constatei que a Bela Gil é um tipo de garota propaganda do produto que ela ajudou a aprimorar. Então abro espaço pra que Bela o apresente aqui pra quem ainda não conhece e afirmo: elas são incríveis! Tecnologia realmente de ponta! Recebi ontem algumas para munir e inspirar os pais dos meus netinhos.





quarta-feira, 13 de julho de 2022

Sobre fatos hediondos na sala de parto

Eu verdadeiramente aprendi o significado da palavra HUMANO ao visitar Berlim, há alguns anos. Antes disso, sempre a vinculei a algo que inspiraria verdade, dignidade, integridade, capacidade de cuidar e de respeitar. Até que comecei a me incomodar com seu uso para adjetivar pessoas, serviços, procedimentos: "fulano é humano", "atendimento humanizado", "gesto humanitário". Porque isso para mim demonstrava o uso de um superlativo pra tentar salvaguardar algo que deveria ser humano de raiz, humano por definição, mas que já não o era mais. Não o era mais. Em Berlim eu entendi que o humano nunca foi esse humano que a gente acha ser humano. Eu nunca havia deparado com a preservação de marcas da destruição - inúmeros prédios conservam os estragos feitos por bombas; o espaço urbano é pontilhado de monumentos erguidos para que o passado não seja esquecido; documentos estão expostos em espaços públicos para que a história ali permaneça - cicatriz que nunca deixará de sangrar. E nunca havia deparado, também, com o contraste estrondoso que todo esse mal estabelece com manifestações de pura beleza que vi, ouvi e vivi em Berlim. Daí que entendi, de maneira perturbadora, que o humano é tudo isso: ele pode ir do mais torpe e hediondo até o sublime, compreendendo todas as gradações que separam esses extremos. Então, não se trata de que "errar é humano", e sim de que não há limites para a expressão do humano. Escrevo isso por efeito da notícia sobre o ser que estuprou mulheres na mesa de parto. Quantas outras mulheres lhe serviram sem o saber? Quantos outros profissionais não incorrem em ações análogas? Desde quando e até quando? Inclua-se nisso todo o resto, todo o tudo que passamos, sendo e estando sujeitos a humanos.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Amamentação na Bienal de Veneza

 


A tela AMAMENTAÇÃO, do finado artista Jaider Esbell, é uma das obras que representarão o Brasil na Bienal de Veneza, a partir de abril.

O tema da mostra internacional é "The milk of dreams", abrindo espaço para obras que tratem da conexão entre o ser humano, o meio ambiente e a tecnologia.

Jaider Esbell é um artista macuxi, nascido em Roraima. Ele foi o idealizador do movimento da Arte Indígena Contemporânea, que ganhou destaque na Bienal de São Paulo, em 2021 (mesmo ano de sua morte).

No blog o espaço é muito pequeno pra mostrar a riqueza desta imagem, então sugiro que cliquem aqui e novamente sobre a imagem que aparece no link para visualizar melhor a obra. Ela é um misto de carta celeste, registro ancestral e ilustração científica (daquelas que costumamos encontrar nos livros que explicam o processo da amamentação). Com as cores, um efeito óptico de movimento faz vibrar as formas. O quadro é grande, dois metros de largura, e imagino que apreciá-lo ao vivo intensifique a sensação visual.

Esse fato me fez lembrar da conversa que o público do Museu do Índio, no RJ, teve com um representante do povo indígena do nordeste do país há anos atras. Eu lhe perguntei o que era dado aos bebês quando havia algum obstáculo na amamentação e sobre como seu povo interpretava os seios caídos das mulheres com muitos filhos.

Para a primeira indagação, ele respondeu: pasta de mandioca, oferecida em uma cuia; para a segunda, explicou: seios assim representam grande beleza, a beleza de mulheres que alimentaram seus filhos.