segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Gesto símbolo de luta




Por várias vezes ouvi que a proteção, incentivo e apoio à amamentação não é apenas um trabalho, mas uma luta dos profissionais da saúde. Contra o que? Contra uma mentalidade, contra a equivocada "tradição" que desqualificou as capacidades naturais humanas em prol de produtos que se revelaram perigosos, mas que persistem insuspeitos. 

A primeira imagem utiliza um registro fotográfico muito expressivo de um bebê muito novinho que se adequa perfeitamente àquilo que -caso pudessem falar- as crianças reivindicariam: uma alimentação segura.

Os cartazes que vêm a seguir empregam também o mesmo gesto de luta, desta vez contra o poder da indústria láctea, para divulgar a Conferência Mundial de Amamentação deste ano, a se realizar na Índia.

Daí me lembro de um poema que escrevi para uma grande amiga, sobre que diabos é essa coisa de lutar. Reproduzo aqui alguns desses versos.

Lutar não há de ser esperar (...)
Não é briga de foice
Nem com flores lutar não dá
Há de ser tonteira, dúvida, vontade
Há que ter coragem, lutar.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Mamadeira x amamentação em livro da OMS sobre cartazes de saúde pública

Aleitamento materno frente à alimentação por mamadeira

Amamente seu filho o maior tempo possivel

Recentemente chegou pelo correio a encomenda que fiz: o livro "Public Health Campaigns: getting the message across", publicação da Organização Mundial de Saúde.

Na disciplina "Projeto VII", dou uma aula sobre Comunicação Pública e esta coletânea mundial de cartazes sobre o tema da saúde me será muito útil.

Há um capítulo dedicado à amamentação, do qual destaco esses dois cartazes pelo fato de neles estar presente a comparação entre a alimentação natural e a artificial.

Estranhamente, não há registro da origem desses cartazes em qualquer parte do livro. A ausência de texto do primeiro cartaz e o alfabeto estranho (e lindo!) do segundo agravam a situação.

Ambos pretendem dizer que o aleitamento materno é a maneira segura e saudável de alimentar bebês: as crianças amamentadas são representadas de maneira saudável, enquanto aquelas que se alimentam por intermédio da mamadeira são pálidas, magras e frágeis.

É efetivamente isso que acontece, mas a publicidade das indústrias de leites artificiais sempre nos mostrou o contrário. E daí fica difícil um entendimento dessas imagens a nível global. Porque imagens muitas vezes não valem mais do que mil palavras.

Explico.

Pra muitos grupos sociais, o ato de recorrer à mamadeira é "cometido" com a intenção de possibilitar aumento de peso ao bebê. E isso muitas vezes é o que acontece: o organismo humano não é preparado para processar a proteína animal e fica ali, lutando para fazê-lo enquanto ficamos com a impressão de que a criança está muito mais saciada com aquele alimento. E essa "luta" abre as portas para a obesidade infantil, que no iniciozinho é muito comemorada em nossa cultura.

Então, uma imagem que mostre  a mamadeira provocando magreza e apatia em crianças nos soa muito entranho. Aprendemos a confiar naquilo que vemos, e se a criança engorda, isso pra nós significa que ela está mais saudável.

Escapa à minha capacidade, pelo menos aqui e agora, entender porque algumas crianças definham com a alimentação artificial e outras aumentam de peso (embora tenha aprendido com meus estudos que estas últimas, mesmo que aparentemente gordas, não atingem a mesma saúde das crianças amamentadas). Só sei que a mensagem desses cartazes não é de alcance global, mas local.

Por isso, repito aqui o documentário "Fórmula Fix", pensando que -por esse e por vários outros motivos- a questão amamentação x mamadeira não pode prescindir de argumentos mais enfáticos do que uma ilustração comparativa.


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Aumentar ou reduzir os seios?

Acabo de saber de um problema de censura no Facebook: Emma Kwasnica vem tendo sua página periodicamente retirada do ar por publicar fotos suas amamentando seu filho.

O link abaixo tem a notícia completa e é acompanhado de comentários de internautas. A maioria apóia a censura a tais fotos, considerando-as ofensivas, e outros manifestam sua indignação com tais comentários.

http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2012/02/mulheres-comecam-campanha-para-liberacao-de-fotos-que-mostram-os-filhos-sendo-amamentados.html

O que tenho a dizer é que esta é a nossa realidade.

A cultura industrial fez com que muita gente, senão a maioria das pessoas, pense que a mamadeira é o meio correto de alimentar bebês, e que seios servem pra seduzir os homens e, mais recentemente, que eles podem e devem receber implantes de silicone para que fiquem mais e mais sedutores.

A força das indústrias e suas promessas de saúde e segurança para os bebês conseguiram até fazer com que a grande massa da população considere que crianças não devem brincar de amamentar e nem ter acesso a imagens de mães amamentando. Enquanto isso, sutiãs com enchimento para crianças são lançados por marcas queridinhas dos consumidores.

E então verifico o quanto a civilização vem involuindo, pois quanto mais acesso temos à informação, menos buscamos por ela e menos critérios críticos possuímos para filtrá-la, absorvendo como "natureza" uma pasta amorfa e desprovida de quaisquer valores e sentido.

Eu não sabia dos males da mamadeira. Eu fui alertada pra isso. Entrei então em contato com uma luta mundial, uma coisa seríssima, coisa de OMS.

Tenho em mim a certeza de que quando as pessoas tomarem conhecimento desse problemão, mudarão suas posições.

Por isso acho muito positivo que toda essa M venha à tona.

Mulheres, a cultura amputou nossos seios e os transformou em brinquedinho inflável de sexshopp. Mulheres e homens, vasculhem a internet e encontrarão com facilidade informação científica em prol da amamentação e contra essa "viagem" que nos cega dizendo que a natureza é obscena e que o bom são os produtos (as mamadeiras, o silicone).

Acordar é a palavra certa.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Consumo sensato X mentalidade industrial

                                              Cartaz desenvolvido por alunos de design britânicos


Ao contrário do produto artesanal, no qual eventuais traços reveladores do modo de produção são inerentes ao objeto, a natureza industrial tende a não deixar transparecer essas informações, visando a conferir frescor e ineditismo de vida a seus produtos (1). A origem das matérias-primas empregadas em sua constituição, o ambiente da fábrica, a individualidade dos trabalhadores envolvidos com a concepção, produção e distribuição e toda a alta complexidade de ações necessárias ao surgimento do produto ficam ausentes de sua configuração, possibilitando que, para o consumidor, sua existência se inicie no momento em que é escolhido, dentre outros, para ser então ressignificado sob os domínios daquele que o adquire como uma coisa “virgem”.

Essa “pureza” característica dos produtos faz parte da cultura industrial desde o século XVIII (2) e tende a persistir mesmo quando o acesso a tais informações encontra-se liberado ao consumidor em notícias, publicidade, literatura, Internet. Em parte, o desconhecimento se deve ao fato de não ser indispensável ou mesmo necessário termos o entendimento das coisas que utilizamos, como argumenta Hobsbawm discorrendo sobre o século XX, ao afirmar que, diante dos

[…] produtos diários da ciência e tecnologia somos leigos ignorantes sem compreender nada. E mesmo que não fôssemos, nossa compreensão do que é que faz a coisa que usamos funcionar, e dos princípios por trás dela, é em grande parte conhecimento irrelevante. (Hobsbawm, p. 510)

Além de suas funções mais evidentes, os produtos industriais proporcionam aos cidadãos recursos de legitimação social e participação ativa na racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica da sociedade (Canclini, 2001).

Em 1960, o manifesto First Things First sinalizou, porém, que por força das correntezas econômicas e culturais capitalistas, a atividade do design estava se hibridizando com a do marketing, mentor do consumo, ao ponto de, aos olhos da sociedade, parecer ser este (o marketing) o trabalho “que os designers fazem”. Em 2000, o manifesto foi reeditado por outro grupo de profissionais que atestou a potencialização desse fenômeno em anos recentes, renovando aquele manifesto, na expectativa de que nenhuma década a mais passaria sem que nos lembrássemos daquele antigo alerta. E enquanto publicações dirigidas a grandes empresas transnacionais definem que no momento atual os designers “poderão ganhar muito dinheiro, canalizando seu potencial como consultores criativos para o mundo dos negócios” (3), a missão da atividade se compromete com a geração de produtos éticos em termos globais, sociais e culturais (ICSID) (4).

Para o designer em formação, a oposição entre os modelos de expansão – corrente industrial expansionista – e de equilíbrio econômico – corrente consciente da finitude dos recursos naturais –, quando visualizável, traduz uma animosidade destoante de seu desejo de futura realização profissional (Margolin, 1998). A opção do designer por uma das vertentes nem sempre suprirá os benefícios que a outra poderia lhe proporcionar. Ou seja, o designer do século XXI tende a oscilar entre uma atuação promissora de colaboração com as demandas já consagradas da indústria, colocando num plano secundário o impulso e o desejo de modificar estruturas estabelecidas, e o engajamento em vertentes transformadoras do cenário, que podem não lhe trazer os resultados financeiros esperados. O momento, portanto, a exemplo do que ocorre em diversas áreas do conhecimento, é de reflexão e procura de um ponto equidistante entre os extremos, um ponto que não contrarie os princípios e compromissos da atividade do design nem aparte o profissional da economia industrial.

Por tais motivos, dedicarmos atenção a produtos cujo consumo indiscriminado (5) tem provocado problemas de grande amplitude é uma decisão que pode contribuir para uma qualificação mais sensata de nossos hábitos de consumo e para a quantificação do distanciamento tomado pela indústria em relação a um eixo racional na geração de produtos. Na prática, é preciso desenvolver e dirigir um novo olhar às coisas industriais. Um olhar de estranhamento em relação aos inumeráveis objetos que substituem os atos humanos. A mamadeira, por exemplo, tomou o lugar do seio materno nas mais diferentes culturas, embora o aleitamento concentre o que de mais sofisticado, eficaz e sustentável podemos oferecer aos nossos filhos para o seu bom desenvolvimento.

Identificar e tentar desvendar equívocos da cultura industrial se apresenta hoje como tarefa para os profissionais mais diretamente envolvidos com os meandros dessa engrenagem, dentre eles os designers. Inclui-se, pois, na tarefa da Universidade, fornecer aos estudantes instrumentos para fazê-lo, encorajando-os a questionar, e mesmo a desmontar cânones da profissão diante da perspectiva de que novas frentes representem uma contribuição relevante da atividade para o mundo contemporâneo e para as sociedades presentes e futuras.


[1] Exemplo disso é que vestígios da união de peças em um produto de plástico injetado são considerados falhas de acabamento.
[2] Início da Revolução Industrial, quando cortes de tecido se tornavam acessíveis a maiores parcelas da população, isentando de sua aparência o sistema escravocrata empregado para a obtenção do algodão e as condições desumanas a que eram submetidos os trabalhadores das fábricas têxteis (DENIS, 2000).
[3] NUSSBAUM, B., editor da revista Business Week, in Innovation Fall, 2005 – Yearbook of Industrial Design Excellence.
[4] International Council of Industrial Design.
[5] Embora esse consumo tenha sido absorvido pela cultura do mundo ocidental.